sábado, 9 de agosto de 2008

passageiros entre palavras fugazes

Morreu hoje o poeta palestiniano Mahmoud Darwish. Morreu longe da sua terra, num hospital do Texas, nos EUA, como conta o jornal israelita Haaretz. Morreu porque o seu coração não aguentava mais. O que, para quem conhece a sua poesia, faz todo o sentido.
Descobri um livro dele em Jerusalém, há alguns anos, e acarinhei-o como um tesouro desde o primeiro momento. Gostei logo do título: Unfortunately, It Was Paradise. E regressei às suas páginas muitas vezes, buscando a clareza das palavras do poeta, na ânsia de compreender a alma e as dores do povo palestiniano.
Sou amiga de um primo seu, Ziad Darwish, jornalista da Cisjordânia que tantas vezes me ajudou a contornar check-points israelitas... E hoje choro com ele.


Passageiros entre palavras fugazes:
agarrem nos vossos nomes e vão-se embora,
Cancelem as vossas horas do nosso tempo e vão-se embora,
Levem o que quiserem do azul do mar
E da areia da memória,
Tirem todas as fotos que vos apetecer para saberem
O que nunca saberão:
Como as pedras da nossa terra
Constróem o tecto do céu.

Passageiros entre palavras fugazes:
Vocês têm espadas, nós o sangue,
Têm o aço e o fogo, nós a carne,
Têm outro tanque, nós as pedras,
Têm gases lacrimogéneos, nós a chuva,
Mas o céu e o ar
São os mesmos para todos.
Levem uma porção do nosso sangue e vão-se embora,
Entrem na festa, jantem e dancem…
Depois vão-se embora
Para nós cuidarmos das rosas dos mártires
E vivermos como queremos.

Passageiros entre palavras fugazes:
Como poeira amarga, passem por onde quiserem, mas
Não passem entre nós como insectos voadores
Porque temos guardada a colheita da nossa terra.
Temos trigo que semeámos e regámos com o orvalho dos nossos corpos
E temos aqui o que não vos agrada:
Pedras e pudor.
Se quiserem, levem o passado ao mercado de antiguidades
E devolvam o esqueleto à poupa
Numa travessa de porcelana.
Temos o que não vos agrada: o futuro
E o que semeamos na nossa terra.

Passageiros entre palavras fugazes:
Amontoem as vossas fantasias numa sepultura abandonada e vão-se embora,
Devolvam os ponteiros do tempo à lei do bezerro de ouro
Ou ao horário musical do revólver
Porque aqui temos o que não vos agrada
E temos o que não vos pertence:
Uma pátria e um povo exangue,
Um país útil para o esquecimento e para a memória.

Passageiros entre palavras fugazes:
É hora de vocês se irem embora.
Fiquem onde quiserem, mas não entre nós.
É hora de se irem embora
Para morrerem onde quiserem, mas não entre nós
Porque nós temos trabalho na nossa terra
E aqui temos o passado,
A voz inicial da vida,
E temos o presente e o futuro,
Aqui temos esta vida e a outra.
Vão-se embora da nossa terra,
Da nossa terra, do nosso mar,
Do nosso trigo, do nosso sal, das nossas feridas,


De tudo… vão-se embora
Das recordações da memória,
Passageiros entre palavras fugazes.

2 comentários:

patrícia reis disse...

Tão estranho como as pessoas têm uma certa sintonia. Eu tenho uma mania. Vou ao meu blogue, escrevo, e depois leio o teu. O teu blogue é o único que me aquece o coração pela extrema inteligência e bom gosto. Hoje do conta que escolhemos o mesmo poema de Darwich para lhe prestar homenagem. Também eu choro contigo. Vês? qual distãncia qual quê? Beijos

Patrícia Fonseca disse...

Eu também te leio, todos os dias. É como um ritual de fé. E, sim, não te deixarei esquecer a promessa: um dia haveremos de ir juntas a Jerusalém.