domingo, 9 de agosto de 2009

leitura da semana


A matriarca da família Benamou mostra as fotos dos seus dois filhos, Mohamed e Aicha, que morreram afogados no Estreito de Gibraltar, a 29 de Junho.
Foto: Julían Rojas/El Pais

No El Pais de hoje, uma reportagem de cortar a respiração: Náufragos de la Pobreza. O tema já foi abordado de mil e uma formas mas o jornalista Juan Diego Quesada conseguiu escrever uma vez mais sobre o assunto, agarrando-nos pelos colarinhos, obrigando-nos a enterrar o nariz nas páginas, até ao último ponto final.
Fala-nos das centenas de imigrantes africanos que morrem, todos os anos, nos naufrágios das pateras que tentam atravessar o estreito de Gibraltar - mas pelo olhar dos homens que recolhem esses corpos e os devolvem às famílias.
Começa por apresentar-nos Otmane, o homem que entra nas pequenas aldeias de Marrocos ao volante de uma carrinha branca, já baptizada entre os locais como «o carro das más notícias». Otmane trabalha para a empresa Sefuba, que já repatriou, em dez anos, mais de 500 imigrantes «desconhecidos», que deram à costa nas praias do Sul de Espanha. A empresa funerária, criada por Martín Zamora (com uma história de vida que já deu um filme...), foi a primeira a preocupar-se com os cadáveres destes «zé-ninguéns». Em vez de serem enterrados sem nome nem honra, Martín começou a fotografar os cadáveres e, com as fotografias na mão, pedia que procurassem em Marrocos quem lhes queria bem.
O homem, que até tem medo de mortos (não consegue ficar sozinho na morgue e, quando ouve algum barulho, sai disparado para a rua), ficou bem na vida quando os políticos faltaram à palavra dada... Em 2003, depois de um naufrágio mediático - durante duas semanas, 36 corpos foram dando à costa, no pico da época balnear -, o governo espanhol falou publicamente de «solidariedade» para com aqueles homens e mulheres que perderam a vida na tentativa desesperada de alcançar uma vida melhor e, como prova da sua compaixão, prometia pagar as despesas dos funerais.
Treze corpos acabaram por ficar à espera de identificação e das instruções do governo durante três anos (!), nas câmaras frigoríficas da Sefuba, até que um juiz ordenou que os enterrassem no cemitério local. Martín cobrou ao Estado 65 euros por dia, por cadáver... qualquer coisa como 450 mil euros.
O espanhol não terá perdoado, sobretudo, que aqueles homens ficassem assim esquecidos, a 4 graus negativos, durante tanto tempo - unicamente para depois serem de novo atirados para o esquecimento, sob túmulos de cimento, numa terra desconhecida, onde ninguém se lembra de lhes deixar uma flor. Na pedra ficou apenas a identificação «Náufragos da Rota».
Será neles que Martín e Otmane pensam, sempre que procuram, de porta em porta, de fotos na mão, as famílias dos desconhecidos que recolhem nas praias.
Ninguém deveria morrer nestas circunstâncias, num mundo verdadeiramente civilizado. E se estes «cangalheiros» invulgares não podem, é certo, mudar o trágico destino de tantos imigrantes, esforçam-se, ao menos, para lhes dar um último momento de dignidade.

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